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São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro
de 2009 
Só 27% dos médicos
sabem reconhecer a sepse, diz pesquisa
Estudo avaliou 917 profissionais e concluiu que a
maioria não sabe diagnosticar doença que causou a morte da
modelo
O Brasil, ao lado da Malásia, lidera o
ranking de mortes pela doença, com 250 mil mortes por ano,
segundo pesquisa feita em 37 países
CLÁUDIA
COLLUCCI DA REPORTAGEM LOCAL
Um estudo do Ilas (Instituto
Latino-Americano de Sepse) com 917 médicos de 21 hospitais
brasileiros (públicos e privados) concluiu que apenas 27%
deles sabem diagnosticar corretamente a sepse, conhecida como
infecção generalizada. O Brasil, ao lado da Malásia, lidera o
ranking de mortes por essa doença, com 250 mil óbitos por ano,
segundo pesquisa feita em 37 países em 2005. A sepse é uma
resposta inflamatória exacerbada do organismo a uma infecção.
Uma infecção urinária, como a que levou à morte a modelo
capixaba Mariana Bridi, 20, pode ser curada com um simples
antibiótico -o que ocorre na maioria dos casos-, mas também
pode evoluir para sepse grave, que, se não diagnosticada logo
e tratada corretamente, pode matar. A chave para o
tratamento correto é o médico saber reconhecer se determinada
infecção vai evoluir para sepse grave. Por exemplo, se uma
pessoa chega ao pronto-socorro com uma infecção e, ao mesmo
tempo, apresenta taquicardia e aumento da respiração, o quadro
já pode ser crítico, e o médico deve iniciar uma série de
intervenções, como hidratação com soro, controle da pressão
arterial e antibioterapia. No estudo do Ilas -baseado na
tese de mestrado do médico Murilo Assunção-, os médicos
receberam um questionário com casos clínicos diferentes e
tiveram de identificar em quais situações eles se enquadravam.
A maioria dos profissionais avaliados (92%) soube identificar
uma infecção simples e o choque séptico (81%), uma situação
extremada de sepse que mata 70% dos doentes. Mas só 27%
souberam reconhecer a sepse. A sepse grave foi identificada
por metade deles (56,7%). "Esse desconhecimento é algo
muito sério, um problema que acontece todos os dias nos
hospitais brasileiros, mas, como não afeta modelos ou pessoas
de maior notoriedade, fica invisível", diz o médico Eliezer
Silva, vice-presidente do Ilas e médico da equipe da UTI do
hospital Albert Einstein. Segundo ele, o que mais chamou a
atenção no estudo foi o fato de que metade dos médicos não
soube identificar a sepse grave. "Nessa situação, quando pelo
menos um órgão já está em falência ou a pressão arterial está
muito baixa, a mortalidade é de quase dois terços. Se o caso
não for diagnosticado e tratado corretamente no
pronto-socorro, será mais difícil revertê-lo na UTI." No
Brasil, a taxa de mortalidade por sepse é mais crítica nos
hospitais públicos (52% contra 40% na rede particular),
segundo dados do Ilas. O doente com sepse do sistema público
também demora mais no pronto-atendimento antes de ir para a
UTI -24 horas contra seis horas do paciente internado em
hospitais particulares.
Segundo plano A
médica Flávia Machado, chefe da terapia intensiva do Hospital
São Paulo e presidente do Ilas, avalia que a sepse esteja
sendo relegada a segundo plano em todos os níveis. "Pelo
governo, que não dá o devido valor ao problema, pelo público,
que desconhece a doença, e pelos médicos que não são
capacitados para reconhecê-la e atrasam o
diagnóstico." Machado conta que um outro estudo, feito em
hospital público, mostrou que o paciente pode ficar até dois
dias sendo tratado incorretamente -com base em outras
hipóteses diagnósticas- até ter a definição de sepse. "Um
pouco de soro fisiológico e de antibioterapia dados no tempo
correto salva vidas e economiza dinheiro." Segundo ela, é
comum o médico não suspeitar da sepse mesmo quando um paciente
apresenta uma disfunção orgânica. "Você pode ter um paciente
idoso internado que, de repente, apresenta um quadro de
confusão mental. O médico suspeita de delírio hospitalar, que
também é bem comum, mas pode ser o primeiro sinal de sepse
grave." O sistema hospitalar brasileiro gasta anualmente R$
17 bilhões com o tratamento da sepse -sendo R$ 10 bilhões com
pessoas que acabam morrendo-, segundo dados do
Ilas. "Enquanto os sistemas de saúde não elegerem a
prevenção da sepse como uma prioridade, vamos continuar
gastando mal os recursos", observa Eliezer Silva. O médico
afirma que ao menos 25 hospitais brasileiros (de um total de
cerca de 6.000) têm realizado treinamento permanente de suas
equipes para o diagnóstico e tratamento correto da sepse e,
com isso, reduziram em 10%, em média, suas taxas de
mortalidade.
Experiência Um exemplo
bem-sucedido ocorreu no Paraná. Durante cem dias, quatro
hospitais estaduais adotaram um pacote de tratamento que
associava atendimento rápido ao paciente, medicação adequada e
emprego de terapias padronizadas para sepse, de acordo com o
que preconizam os organismos internacionais. Segundo o
médico Álvaro Réa Neto, presidente da Amib (Associação
Brasileira de Medicina Intensiva) e que coordenou o estudo,
foram acompanhados 180 pacientes graves internados nas UTIs
desses hospitais. O índice médio de morte por sepse passou de
64% para 48%. "Estimamos que 28 pessoas tenham sido salvas
nesse período", diz Réa Neto. Para ele, a efetividade do
tratamento está diretamente relacionada à precocidade com que
se diagnostica a sepse. "Quanto mais cedo você reconhece a
síndrome, mais cedo você é capaz de disparar as intervenções
para diminuir a mortalidade."
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